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(Imagem gerada por IA/Freepik)
Repórter de agro e macroeconomia
Publicado em 19 de setembro de 2024 às 10h33.
O Brasil está no caminho para alcançar uma produção de 13 a 15 bilhões de litros de etanol de milho até 2032, aponta um estudo liderado pela Agroícone, consultoria que desenvolve pesquisas e projetos que visam a sustentabilidade, em parceria com pesquisadores nacionais e internacionais e divulgado pela revista científica Nature. Hoje, o país produz 6 bilhões de litros.
A produção do biocombustível, especialmente a partir do milho de segunda safra, é vista como estratégica para o desenvolvimento sustentável do país, mostrou a pesquisa.
O estudo avaliou os impactos socioeconômicos e ambientais da produção de etanol de milho e levou em conta 18 indicadores intermediários e três finais: ecossistemas, saúde humana e disponibilidade de recursos.
Além disso, a pesquisa avaliou os efeitos sobre o bem-estar e a segurança alimentar, especialmente entre as populações mais pobres do Brasil e globalmente – os resultados foram relacionados aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
A segunda safra de milho, ou "milho safrinha", como é popularmente conhecida no meio rural, é de grande relevância na agricultura brasileira. Esse tipo de plantio, realizado após a colheita principal, aproveita as condições climáticas favoráveis e recebe os maiores investimentos dos produtores.
Nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, o plantio ocorre entre janeiro e março, enquanto em outras regiões se estende até julho, com a colheita finalizada entre maio e dezembro.
"Quando mencionamos os 15 bilhões de litros de etanol de milho até 2032, isso se refere à produção sem a necessidade de abertura de novas áreas, utilizando apenas a nossa produção atual, especialmente o milho de segunda safra", disse Sofia Arantes, pesquisadora do estudo, em entrevista à Exame.
Na safra 2023/24, o Brasil produziu 6 milhões de litros de etanol de milho, um aumento de 36% em relação à temporada anterior – a expectativa para a temporada 2024/25 é atingir 7,3 milhões de litros, consolidando o país como o segundo maior produtor mundial desse biocombustível, atrás apenas dos Estados Unidos.
Somando as duas safras, o Brasil deve colher 127 milhões de toneladas de milho no ciclo atual, de acordo com projeções do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
O estudo mostrou que o sistema de produção de etanol de milho, especialmente da segunda safra, é uma fonte de energia renovável acessível, com potencial para gerar cinco bilhões de litros de etanol por ano, além de 600 GWh de energia elétrica e quatro milhões de toneladas de insumos para ração animal.
O desempenho contribui para a redução de 9,3 a 13,2 milhões de toneladas de CO2, além de economizar 160 mil hectares de terra.
Utilizando métodos avançados de Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) e modelos de equilíbrio geral computável (CGE), a pesquisa indicou que a produção de etanol de milho fortalece a segurança alimentar, melhora a renda das famílias da região Centro-Oeste e reduz os custos de conformidade com a legislação ambiental.
Além disso, a expansão do biocombustível em sistema de cultivo múltiplo aumentou a área plantada com milho de segunda safra em 600 mil hectares, substituindo áreas anteriormente destinadas à soja de ciclo único – o sistema de cultivo múltiplo, também conhecido como cultivo consorciado, é uma técnica agrícola que consiste em semear mais de uma cultura na mesma área e no mesmo período.
O estudo revelou que a mudança também liberou 50 mil hectares para reflorestamento ou contenção do desmatamento, além de promover o crescimento de florestas plantadas e vegetação secundária. Dessa forma, o aumento da produção de etanol pode reduzir a pressão sobre novas áreas agrícolas.
Segundo a pesquisa, a expansão poderá reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) do Brasil em 12 milhões de toneladas de CO2e até 2030. Com a adoção completa do sistema Bioenergy with Carbon Capture and Storage (BECCS), essa redução pode chegar a 15,9 milhões de toneladas de CO2e.
O BECCS é uma tecnologia inovadora que combina a geração de energia a partir de biomassa com a captura e armazenamento de carbono, removendo-o da atmosfera. Atualmente, a tecnologia está em fase de testes no Brasil e tem o potencial de resultar em uma pegada de carbono negativa, além de oferecer benefícios adicionais ao meio ambiente, diz Arantes.
Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou o PL Combustível do Futuro. A nova legislação, que altera os percentuais de mistura de etanol na gasolina e biodiesel no diesel, também traz incentivos ao diesel verde e ao combustível sustentável de aviação (SAF, em inglês).
O projeto aprovado pela Câmara estabelece que o percentual de mistura de etanol na gasolina será fixado em 27%, com o Poder Executivo podendo ajustá-lo entre 22% e 35%, de acordo com as condições de mercado – atualmente, a mistura pode chegar a 27,5%, com um mínimo de 18%.
No caso do biodiesel, a mistura atual de 14%, que está em vigor desde março deste ano, será aumentada gradualmente a partir de 2025, com acréscimos de 1 ponto percentual ao ano, até atingir 20% em 2030
A pesquisa chama a atenção para o fato de que a produção de etanol de milho contribui diretamente para vários dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Os ODS são um conjunto de 17 objetivos globais estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015, com o objetivo de abordar desafios sociais, econômicos e ambientais até 2030.
Segundo o estudo, a produção do biocombustível abrange o ODS 1 (erradicação da pobreza), ODS 2 (fome zero), ODS 7 (energia limpa e acessível) e ODS 13 (ação contra a mudança global do clima).
Por outro lado, a pesquisa recomenda atenção ao ODS 6 (água limpa e saneamento) para evitar impactos negativos na qualidade da água. Sugere-se que políticas públicas e privadas se ajustem às particularidades regionais do Brasil, minimizando riscos e garantindo o uso sustentável dos recursos hídricos.
“Embora existam indicadores que apontam para efeitos negativos na terra, é crucial considerar o sistema como um todo. Nossa proposta traz uma classificação inovadora que relaciona esses impactos aos ODS, representando um avanço científico, especialmente do ponto de vista metodológico”, disse Marcelo Moreira, sócio da Agroícone e também um dos autores do estudo.
Apesar dos benefícios apontados, o estudo reforça que a expansão da produção de etanol de milho deve levar em consideração os desafios locais, especialmente nas regiões produtoras, como o Centro-Oeste e o estado do Mato Grosso, um dos principais produtores de milho, ao lado do Paraná e Goiás.
A região possui condições favoráveis para o cultivo de milho de segunda safra, permitindo uma transição eficiente para o aumento da produção de bioenergia e a promoção de benefícios econômicos e ambientais.
De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o Brasil produziu 115,7 milhões de toneladas no total na safra 2023/24.
Para os pesquisadores, o estudo destaca o papel do Brasil como líder global na transição energética, adotando práticas agrícolas sustentáveis e tecnologias avançadas para impulsionar o desenvolvimento sustentável. No entanto, há desdobramentos — existe interesse em aprofundar o debate sobre a tecnologia BECS e seus impactos ambientais e econômicos ligados ao etanol de milho.