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Por que a carne bovina pode frustrar plano do governo de baixar preço dos alimentos

Proteína foi uma das principais impulsionadoras da inflação do ano passado — e o ciclo da commodity sugere que mais altas de preços virão neste ano

DENVER, CO - MAY 7: River Bear meat cutter Matthew Gervais works on cutting up beef tenderloin at Leevers Locavore on Thursday, May 7, 2020. (Photo by AAron Ontiveroz/MediaNews Group/The Denver Post via Getty Images) (AAron Ontiveroz/MediaNews Group/The Denver Post/Getty Images)

DENVER, CO - MAY 7: River Bear meat cutter Matthew Gervais works on cutting up beef tenderloin at Leevers Locavore on Thursday, May 7, 2020. (Photo by AAron Ontiveroz/MediaNews Group/The Denver Post via Getty Images) (AAron Ontiveroz/MediaNews Group/The Denver Post/Getty Images)

César H. S. Rezende
César H. S. Rezende

Repórter de agro e macroeconomia

Publicado em 24 de janeiro de 2025 às 15h25.

Última atualização em 24 de janeiro de 2025 às 19h59.

Durante a campanha eleitoral de 2022, uma das mensagens do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se sobressaiu: a de que a picanha e as carnes em geral ficariam mais baratas para os brasileiros. Passados dois anos, a promessa se cumpriu em parte. Não por causa da intenção política, mas em razão da economia de mercado da commodity. Agora, o governo se debruça sobre a inflação dos alimentos, que pressionou o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no último ano, em especial o da carne bovina. No entanto, o preço do que se compra nos açougues obedece a uma dinâmica ligada à oferta e à demanda. E o atual ciclo pecuário não ajudará a gestão petista a entregar sua promessa — ao menos neste ano.

"A situação do setor de carnes segue um ciclo natural de mercado. Atualmente, estamos em um momento de inversão do ciclo pecuário, caracterizado por uma menor oferta e uma redução no número de abates", diz Fernando Iglesias, consultor da Safras & Mercado. "Essa dinâmica resultará em uma queda na produção de carnes, o que inevitavelmente levará à alta nos preços em todo o setor."

Segundo o analista, essa flutuação faz parte da dinâmica do mercado de carnes bovinas, mas seu impacto acaba se estendendo também para outras fontes de proteína, como a carne de frango e a de porco.

Em 2024, os preços dos alimentos registraram alta média de 7,69%, superando a inflação oficial do país, que ficou em 4,83%, segundo o IPCA, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O grupo de Alimentação e Bebidas contribuiu com 1,63 ponto percentual (p.p.) para o IPCA no ano. A maior pressão de alta veio do item carnes, que registrou aumento de 20,84% em 2024, representando um impacto de 0,52 ponto percentual (p.p.) na inflação geral.

Nas gôndolas dos supermercados de São Paulo, a carne bovina teve aumento de 26,79% em 2024. Entre os cortes com os maiores reajustes, destacaram-se: acém (36,1%), braço (34,3%), músculo (32,6%), patinho (31,5%) e costela bovina (25,8%) — a picanha registrou alta de 19,37% no ano, segundo a Associação Paulista de Supermercados (APAS).

Iglesias destaca a complexidade de impor medidas para controlar preços, exceto por iniciativas como o tabelamento de preços ou o bloqueio de exportações. No entanto, essas estratégias já foram aplicadas em períodos de alta inflação no Brasil e não apresentaram resultados práticos na contenção dos preços.

Além disso, a oferta de subsídios é considerada inviável por causa da restrição orçamentária do governo, que atualmente não dispõe de margem de manobra fiscal para esse tipo de iniciativa.

"A experiência [de controle de preços] não foi eficaz e os resultados foram insatisfatórios, como mostram os exemplos das décadas de 1980 e 1990. Subsídios não parecem ser uma alternativa viável no cenário atual. A estrutura fiscal do país está sobrecarregada e os gastos públicos são um problema recorrente, deixando pouco ou nenhum espaço para a ampliação de despesas", diz o analista.

O aumento nos preços das carnes em 2024 foi resultado de uma dinâmica de efeito dominó: a alta do dólar, que estimulou o crescimento das exportações. De acordo com Iglesias, a valorização da moeda norte-americana levou os frigoríficos a priorizarem os embarques internacionais, reduzindo a oferta de proteína no mercado interno.

Como resultado, no ano passado, os embarques de carne bovina do Brasil cresceram 26%, alcançando 2,89 milhões de toneladas, o maior volume já registrado pelo setor. Esse desempenho gerou uma receita de US$ 12,8 bilhões, representando um aumento de 22% em relação ao faturamento de 2023.

Preços da carne em 2025

A expectativa para 2025 é que as exportações de carne mantenham um volume semelhante ao registrado no ano passado, ou até ligeiramente superior, o que é considerado um cenário mais realista.

Nesse contexto, o dólar deve continuar desempenhando um papel relevante, com potencial para pressionar ainda mais o mercado interno, avalia o analista. Em outras palavras, quanto mais valorizada a moeda americana mais vantajoso é para as empresas exportarem carne.

Além das exportações, outro fator que pode pressionar os preços da carne neste ano é a redução no abate de bovinos, ou seja, na quantidade de animais destinados ao processamento nos frigoríficos.

A Datagro Consultoria estima que o comprometimento da renda dos consumidores com carne bovina já está elevado, mas ainda há espaço para crescimento no consumo de carne suína e de frango.

Em 2018, os brasileiros dedicavam 1,6% do salário para comprar carne bovina. Em 2024, esse percentual saltou para 2,5%.

"Esse é o maior percentual da história e não parece ser sustentável, em especial porque essa mesma métrica no caso do frango está em 'apenas' 1,7% [já foi superior a 2% alguns anos atrás]", diz Guilherme Jank, analista da Datagro. "O que existe hoje é um movimento que vai empurrar e/ou induzir essa migração do consumo de carne bovina para a carne de frango, principalmente das faixas de renda mais baixas."

No caso da carne de frango, o avanço foi mais discreto, passando de 1,6% da renda para 1,7% no mesmo período. Já a carne suína registrou um aumento de 0,7% para 1,1% nos últimos seis anos, indicando maior espaço para crescimento no consumo dessa proteína.

"Considerando a renda média da população, o consumo per capita das três carnes, ainda há espaço para o frango crescer em torno de 600 a 800 gramas por pessoa. Além disso, esse cenário garante que a população continuará tendo acesso a uma proteína de qualidade, com preço acessível e segurança alimentar, mesmo com o impacto da alta nos preços da carne bovina", afirma Jank.

Mesmo com a expectativa de alta para 2025, a Datagro Consultoria acredita que os preços da carne não devem disparar como no ano passado.

Ainda assim, a projeção da consultoria para o grupo Alimentação no Domicílio do IPCA indica um aumento de 6,92% em 2025, com expectativa de desaceleração para 5,37% em 2026, segundo os dados mais recentes. Números, portanto, acima da expectativa da inflação geral — de 5,08% neste ano e 4,10% em 2026, segundo o boletim Focus.

"Em 2025, espera-se que o consumidor comece a sentir mais intensamente o peso da carne cara no bolso, o que pode levar a uma leve redução no consumo. Essa desaceleração na demanda tende a diminuir o potencial de novas altas abruptas de preços, como as registradas anteriormente, que surpreenderam tanto a indústria quanto o varejo", diz Jank.

O risco, segundo o analista, está na economia doméstica, que pode ser mais forre do que o esperado. "Nesse caso, o problema deixaria de ser apenas relacionado ao ciclo do boi e se tornaria uma questão mais estrutural", afirma.

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