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São Felix do Xingu (PA): cidade com maior rebanho no país. (Germano Lüders/Exame)
Editor de Macroeconomia
Publicado em 28 de março de 2023 às 19h02.
Última atualização em 30 de março de 2023 às 11h52.
Após a suspensão do embargo da exportação de carne brasileira à China, frigoríficos brasileiros e importadores chineses lançam nesta terça-feira, 28, uma aliança para mostrar as boas práticas e a sustentabilidade na cadeia da pecuária nacional: a The Beef Alliance. Fruto de uma parceria entre a Tropical Forest Alliance (TFA) e o Imaflora, com recursos do programa Partnerships 4 Forests, a iniciativa pretende eliminar o comércio de carne com ligações ao desmatamento. Ao fim e ao cabo, é uma tentativa de ampliar o soft power da carne brasileira, mostrando os casos de sucesso em sustentabilidade.
Pelo lado brasileiro, a aliança convida em seus diálogos as maiores processadoras de alimentos, como JBS, Minerva, Marfrig e Frigol, como JBS, Minerva, Marfrig e Frigol, além da Associação Brasileira dos Exportadores de Carne Bovina (Abiec), que reúne 39 empresas do setor e representa 98% do comércio internacional da commodity do país. Na China, a Associação de Carne da China (China Meat Association, em inglês) também aderiu à iniciativa.
A Tropical Forest Alliance, baseada no Fórum Econômico Mundial, trabalha mundo afora buscando criar diálogo entre agentes privados e públicos e da sociedade civil para reduzir o desmatamento motivado pela produção de commodities.
“A China é extremamente importante para exportação brasileira e tem se tornado ainda mais. Vimos uma lacuna para conversar sobre como está sendo feita essa exportação. Não no sentido de onerar mais as empresas, mas uma discussão saudável sobre as práticas que as empresas já têm e são desconhecidas”, diz Eduardo Caldas, coordenador da TFA no Brasil, à EXAME.
Ingressar na aliança e incorporar seus critérios pode ser uma vantagem para frigoríficos que buscam "ganhos reputacionais, maior estabilidade e rentabilidade no comércio e acesso mais fácil ao financiamento [por exemplo, títulos verdes]", diz trecho de documento de apresentação da The Beef Alliance.
Para os compradores chineses, a proposta de valor é garantir a oferta para a demanda crescente de carne bovina e ser reconhecida como força transformadora na indústria.
O principal objetivo da aliança é definir os parâmetros de uma nova relação comercial entre os fornecedores brasileiros e compradores chineses em torno de um "compromisso com monitoramento, transparência e rastreabilidade".
A iniciativa surge em um momento em que o setor pecuarista brasileiro tenta ampliar significativamente as plantas habilitadas para exportar ao país asiático. Atualmente, são 41 plantas — e há mais 50 na fila capazes de se submeter aos protocolos chineses. “Nosso mercado [de exportação] foi se deslocando da Europa, para Rússia, Oriente Médio, Hong Kong e China, que hoje domina [as exportações brasileiras]”, diz Fernando Sampaio, diretor de sustentabilidade da Abiec.
Hoje, um chinês come, em média, 6 kg de carne bovina por ano — em comparação, americanos consomem em média 38 kg, e brasileiros, 37 kg. Para Sampaio, há uma desconfiança de que o aumento do consumo de carne na Ásia, em especial na China possa ser uma ameaça ao meio ambiente — e ao combate às mudanças climáticas. “A mensagem é que dá para atender essa demanda de uma forma sustentável”, diz Sampaio.
Segundo ele, dois aspectos permitiriam isso. Em primeiro lugar, não é necessário abrir novas áreas para atender a esse mercado. “Conseguimos produzir mais com o que já temos”, afirma.
Nesse ponto, surge o calcanhar de aquiles da pecuária nacional: a lacuna de produtividade entre os agentes de mercado. Segundo uma pesquisa do Ipea, a produção pecuária é vista como estratégia de mitigação de risco, em vez de ganho econômico. Em algumas regiões, de acordo com o Ipea, a “pecuária de corte aparenta ser a atividade menos onerosa para a incorporação de novas áreas ao processo produtivo”. “Assim, a atividade pecuária pode ser vista como geradora de direitos de propriedade. A lógica econômica não seria a produção em si, mas o aumento da riqueza mediante a valorização da terra incorporada”, diz trecho do estudo.
Isso naturalmente se reflete na oscilação de produtividade — e de boas práticas de sustentabilidade — entre produtores. A exportação para a China auxilia nesse processo de aumento de eficiência produtiva, avalia Sampaio. Como o protocolo chinês é rigoroso, e exige que os animais precisem ter menos de 30 meses antes de serem abatidos, o que força a produtividade da indústria. “A redução da idade do rebanho como um todo fez a pecuária dar um salto", diz o diretor da Abiec.
A The Beef Alliance busca um diálogo entre os agentes privados dos dois países. Desde 2015, a exportação brasileira de carne bovina para a China aumentou em mais de 10 vezes. No ano passado, chegou a US$ 7,9 bilhões.
Na avaliação de Sampaio, da Abiec, é preciso combater alguns mitos, como o de que a China não tem preocupações ambientais. "Sabemos que os chineses estão preocupados com o tema de segurança alimentar (food safety) e ambiental", diz. "Está claro que existe essa relação de confiança e interdependência do chinês que precisa de comida e do Brasil que consegue produzir comida, e que precisamos trabalhar juntos em todas as questões, inclusive as ambientais."
A ideia, segundo Caldas, da TFA no Brasil, é o intercâmbio de boas práticas e conhecimento, uma espécie de soft power da carne brasileira. “Não queremos onerar empresas e compradores”, diz Caldas.
O plano para os próximos passos inclui exposições e demonstrações de práticas já feitas no Brasil em termos de pecuária sustentável, além de colher junto aos interlocutores chineses os principais tópicos que os interessa na produção nacional.
"Prevemos alguns diálogos que sejam continuados em tópicos específicos", afirma Caldas. "Ter um entendimento dos chineses e dos stakeholders chineses, não só os importadores. Mas, por exemplo, as cadeias de supermercados estarem cada vez mais inseridas nesse contexto. O que desejamos: um soft power de ideias sobre como melhorar"
Na avaliação de Sampaio, da Abiec, os chineses não conhecem muito do que está sendo feito aqui, quando se fala, por exemplo, da tecnologia em rastreabilidade e de monitoramento da origem da carne no Brasil.
Produtos e associações do agronegócio estão às voltas para entender como será o novo mundo que se desenha com o combate às mudanças climáticas, e os compromissos firmados por diversos países. Um exemplo é a nova legislação da União Europeia, o Acordo Verde Europeu, que proíbe, entre muitas outras coisas, importação de produtos originados de áreas de desmatamento.
A carne brasileira deve seguir fluindo para a Europa, um importante mercado, especialmente para os cortes mais caros, como filé mignon e alcatra. "Nossa produção já é segregada: há as fazendas do Sisbov [o Serviço Brasileiro de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos], mais de 1,4 mil, e não vai ser difícil para o frigorífico chegar à origem da carne e comprovar a ausência de desmatamento", diz Sampaio. "Assim que sair a legislação teremos 18 meses para entender como será o processo de due dilligence. O importador europeu vai ser o responsável. Então, quando ele traz uma carga para a Europa assina uma declaração dizendo que fez due dilligence e não teve desmatamento"
Tanto a cooperação com agentes chineses quanto as novas potenciais restrições europeias apontam para um mercado futuro no qual desmatamento e práticas não sustentáveis não terão lugar. "Eu quero excluir o cara que não faz nada. Vou garantir, dentro da Abiec, que os frigoríficos estejam trabalhando direito, implementando esses sistemas de controle", afirma Sampaio. "Não quero que frigorífico que não faz nada esteja no mercado."
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