Tarifaço: Atualmente, Brasil e Estados Unidos são os principais fornecedores do grão para a China. Em 2024, o país asiático importou 105 milhões de toneladas de soja. Desse total, 71% vieram do Brasil e 21% dos EUA, respectivamente. (Freepik)
Repórter de agro e macroeconomia
Publicado em 17 de abril de 2025 às 06h05.
Última atualização em 17 de abril de 2025 às 06h09.
As exportações de soja do Brasil para a China podem alcançar 90 milhões de toneladas caso a guerra comercial entre o país asiático e os Estados Unidos se intensifique ainda mais — o Brasil embarca para a China cerca de 75 milhões de toneladas. O número é baseado em estimativas de casas de análise consultadas pela EXAME.
Atualmente, Brasil e Estados Unidos são os principais fornecedores do grão para a China. Em 2024, o país asiático importou 105 milhões de toneladas de soja. Desse total, 71% vieram do Brasil e 21% dos EUA, respectivamente, mostram dados do TradeMap da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Em termos de receita, o montante exportado para a China pode aumentar até US$ 7 bilhões, atingindo US$ 50 bilhões em 2025, caso esse cenário mais agressivo se concretize, dependendo de fatores cambiais e do volume embarcado.
Segundo análise da Datagro Consultoria, a China é o principal destino da soja norte-americana, sendo responsável por 52% das exportações dos EUA em 2024 — o equivalente a 27,1 milhões de toneladas. O México, segundo principal destino dos EUA, respondeu por menos de 10% no ano passado.
“A nova tarifação chinesa compromete severamente as exportações de soja dos EUA, ao mesmo tempo em que aumenta a competitividade do produto brasileiro nesse mercado. Assim, sob a ótica do mercado brasileiro, o cenário é positivo em termos de volume”, afirma a consultoria em relatório.
A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China não é recente, mas ganhou novos capítulos com o retorno de Donald Trump à Casa Branca. No início de abril, Trump anunciou uma série de tarifas para diversos países, incluindo a China, determinando uma taxa de exportação de 34% para o país asiático — acima dos 10% do Brasil.
A retaliação chinesa foi imediata, elevando para 34% as tarifas sobre produtos importados dos EUA. Em seguida, o presidente americano anunciou uma taxa adicional de 84% sobre os produtos chineses, e a China respondeu com a mesma proporção.
Diante disso, Trump aumentou para 145% as taxas sobre os produtos chineses, enquanto anunciou uma pausa de 90 dias nas tarifas aos demais países — mas o país asiático permanece sendo taxado. Os produtores americanos de soja já pediram ao governo Trump um alívio nas tarifas sobre a China sob o risco de quebra generalizada na produção agrícola do país.
É um novo e dramático capítulo de uma história que começou em 2018, quando os conflitos entre a primeira administração Trump e a China resultaram na imposição de uma tarifa de 25% sobre os produtos agrícolas norte-americanos. Isso causou uma queda drástica nas compras chinesas de soja dos EUA, com uma redução de 74% em relação a 2017.
Essa fatia de mercado foi, na maioria, ocupada pelos fornecedores brasileiros, que enviaram 66 milhões de toneladas de soja para a China naquele ano, representando 75% das importações chinesas. Hoje, a China continua sendo o maior destino das exportações brasileiras.
A visão da Datagro, contudo, é de cautela, pois a China pode buscar outros países fornecedores de soja, como a Argentina. O país vizinho já é o principal fornecedor mundial de farelo de soja, e parte da demanda chinesa pode ser absorvida por ele.
Dados da Secretaria de Comércio Exterior do Brasil (Secex) mostram que durante o primeiro trimestre de 2025 a China já comprou 16,5 milhões de toneladas da soja brasileira. A expectativa da Datagro é de que esse volume aumente entre abril e maio pela sazonalidade do calendário agrícola.
A projeção da consultoria é de que, em abril, a China deverá adquirir 8 milhões de toneladas de soja, sendo a maior parte originária do Brasil, considerando a ampliação da oferta no país com a finalização da colheita. A estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é de que o Brasil terá uma safra de 168 milhões de toneladas, um recorde para o país.
"O momento atual do calendário agrícola favorece ainda mais o Brasil. Esse cenário logístico e sazonal contribui para facilitar compras expressivas por parte da China e demais importadores, reforçando a atratividade da soja brasileira no curto prazo", afirma a Datagro.
Somente em março, diz a consultoria, o Brasil exportou 11,1 milhões de toneladas de soja para a China, o que corresponde a 76% do total embarcado no mês (14,7 milhões de toneladas). Esse é o maior volume registrado para o país asiático em março na série histórica e o segundo maior volume mensal de todos os tempos, superado apenas pelo valor registrado em abril de 2021.
Uma apuração da Bloomberg afirmou que processadores de soja na China realizaram compras em volume excepcionalmente alto do grão brasileiro nesta semana, à medida que a intensificação da guerra comercial torna as aquisições de safras dos EUA inviáveis. Segundo a reportagem, os importadores adquiriram pelo menos 40 carregamentos do Brasil na primeira metade desta semana.
Em contrapartida, caso as projeções se concretizem, o Brasil enfrentará alguns desafios relacionados à soja, sendo o principal deles a logística. Nos últimos meses, em razão do avanço da colheita do grão, o tempo médio de carregamento dos navios nos portos brasileiros aumentou. No Porto de Santos, por exemplo, o tempo subiu de 10,5 para 17,5 dias entre fevereiro de 2024 e fevereiro de 2025.
A demora no escoamento da oleaginosa afeta a competitividade do Brasil no mercado global. O atraso também pode impactar o início da colheita do milho de inverno, que caminha para a reta final do plantio, comprometendo ainda mais a logística.
"Os prêmios nos portos subirão provavelmente de forma significativa, refletindo a alta competição pelos grãos disponíveis, o que afetaria também o mercado interno. Com isso, mesmo com uma safra recorde prevista para 2025, os estoques brasileiros poderiam voltar a ficar apertados", afirma Rafael Silveira, analista da SAFRAS & Mercado.
Segundo ele, tudo dependerá da evolução do cenário geopolítico. "Não se pode descartar a possibilidade de novos acordos comerciais que possam alterar completamente o rumo dessas negociações nos próximos meses", diz o analista.
Na visão da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), além dos desafios logísticos, há também os riscos para a industrialização da soja brasileira. Segundo o presidente da entidade, André Nassar, caso os produtores optem por exportar a soja em vez de processá-la, o Brasil pode perder valor agregado.
"O foco excessivo na exportação do grão bruto pode limitar a geração de valor agregado, a criação de empregos e o fortalecimento da indústria nacional de derivados da soja", afirma Nassar.
Para este ano, a projeção do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) é de que o Brasil exporte 105,5 milhões de toneladas de soja em grãos.