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Encarecimento do gás na Europa pode provocar escassez de fertilizantes (Patrick Pleul/dpa-Zentralbild/dpa (Photo by Patrick Pleul/picture alliance via Getty Images/Getty Images)
AFP
Publicado em 25 de agosto de 2022 às 12h24.
O aumento dos preços do gás devido à invasão da Ucrânia ameaça provocar uma escassez global de fertilizantes que, por sua vez, desencadearia os preços dos alimentos e a fome, alertam industriais, analistas e a ONU.
Os fertilizantes sintéticos chamados NPK - feitos de nitrogênio, fósforo ou potássio - nunca foram tão caros: o preço internacional triplicou entre o início de 2021 e meados de 2022.
"A dificuldade do meu trabalho é prever onde estarão nos próximos 18 meses", disse Joël Jackson, diretor administrativo e analista de mercado de fertilizantes da BMO Capital Markets, em uma conferência de especialistas nos EUA em julho.
Na Europa, os fertilizantes NPK são comercializados em um nível "histórico", pois são indexados ao preço do gás, que constitui 90% do custo de produção de fertilizantes nitrogenados, como amônia ou uréia.
E esse hidrocarboneto continua a subir de preço à medida que a Rússia fecha seus gasodutos para o resto da Europa no contexto da guerra na Ucrânia.
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Para manter sua lucratividade, muitos fabricantes de fertilizantes europeus interromperam a produção de amônia, obtida pela combinação de nitrogênio do ar e hidrogênio do gás natural.
Isso não acontecia desde a crise financeira de 2008.
Com o gás a quase 300 euros por megawatt-hora "contra 20 euros em média nos últimos dez anos", "temos um grande problema: isto já não funciona para nenhum dos fabricantes de amoníaco, porque o gás está entre 10 e 15 vezes mais caro do que antes", explica à AFP Nicolas Broutin, chefe da subsidiária francesa da produtora norueguesa Yara.
A Yara paralisou sua fábrica em Ferrara, Itália, em julho pela segunda vez este ano. Na primavera, a fábrica francesa em Le Havre interrompeu a produção por três semanas. E desde janeiro, a Yara produziu 15% menos amônia na Europa do que no ano passado, segundo o Deutsche Bank.
Esta semana, com os preços do gás ainda em alta, a maior produtora polonesa, Azoty, anunciou a suspensão de 90% de sua produção de amônia e a maior produtora lituana, Achema, também anunciou que estava parando sua fábrica a partir de 1º de setembro.
“O risco de escassez se toda a Europa parar é real, pode haver um problema de recursos porque fabricamos os fertilizantes no inverno em antecipação à primavera de 2023”, acrescenta Broutin.
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Os agricultores também podem ficar sem potássio devido a sanções contra a Rússia, um dos principais produtores, e também contra a Belarus, aliado de Moscou e "responsável por um sexto da produção mundial de potássio", diz Joël Jackson.
Antes da guerra, a Rússia era o maior exportador mundial de fertilizantes NPK.
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, defendeu que os fertilizantes e produtos agrícolas russos devem ser isentos de sanções e devem acessar o mercado mundial "sem obstáculos" para evitar uma crise alimentar global em 2023.
O Brasil, potência agrícola cujo principal fornecedor de fertilizantes é a Rússia, “já tomou consciência dessa dependência que pesará na campanha agrícola de 2023”, apontam especialistas do guia mundial de matérias-primas CyclOpe.
Os fabricantes temem a "destruição artificial da demanda" se os agricultores racionarem ou dispensarem alguns fertilizantes que se tornaram inacessíveis, diz Jackson.
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“É em 2023-2024 que se vai notar o aumento dos preços dos fertilizantes e, eventualmente, a sua menor utilização”, acrescenta a CyclOpe, que prevê uma produção agrícola “significativamente reduzida” na África.
No mercado globalizado de fertilizantes, esses distúrbios, que atualmente estão sendo sentidos principalmente na Europa, significam oportunidades para outros.
Para contornar os produtos russos, os fabricantes passaram a importar amônia da América do Norte ou da Austrália a partir do final de 2021, diz Bourtin.
Outros veem uma oportunidade para fertilizantes orgânicos, como esterco ou aqueles produzidos a partir de hidrogênio verde.
Mas enquanto isso, a líder mundial em fertilizantes, a canadense Nutrien, vai aumentar sua produção de potássio para compensar o déficit na Rússia e em Belarus.
Joël Jackson espera que a empresa pelo menos dobre seus lucros este ano.
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