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(Cauê Diniz/B3/Divulgação)
Repórter de agro e macroeconomia
Publicado em 19 de setembro de 2024 às 18h28.
O anúncio de um pedido de recuperação judicial pela distribuidora de insumos agrícolas Agrogalaxy na quarta-feira, 19, levantou uma série de questões sobre o agronegócio brasileiro, sobretudo no setor de insumos — como fertilizantes, sementes — e de Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais, os Fiagros.
A crise acendeu um alerta sobre os riscos de alavancagem no setor, disse à EXAME, Haroldo Torres, economista e sócio-diretor da PECEGE Consultoria e Projetos. "Com margens já apertadas e um mercado de crédito mais restritivo, as revendas de insumos podem enfrentar dificuldades para manter o capital de giro e sustentar o estoque", diz.
No segundo trimestre de 2024, a AgroGalaxy registrou um prejuízo ajustado de R$ 362,4 milhões, representando uma piora de 40,9% em relação ao mesmo período de 2023.
A receita líquida total da empresa, que inclui insumos e grãos, caiu 42,4%, totalizando R$ 1,056 bilhão, enquanto a receita proveniente de insumos sofreu uma redução de 58%, alcançando R$ 200,9 milhões — a receita de grãos apresentou um recuo de 36,8%, totalizando R$ 855 milhões.
Na nota divulgada na quarta-feira, a empresa disse que a decisão foi tomada em meio a desafios significativos causados por eventos climáticos adversos e pela deterioração dos mercados, tanto no Brasil quanto internacionalmente. Contudo, o problema é muito maior.
O desempenho negativo da revendedora de insumos reflete uma tendência mais ampla observada na safra 2023/24, caracterizada pela redução no ritmo de compra de insumos por parte dos produtores. Não fosse suficiente, a queda no preço das commodities agrícolas, como soja e milho, impactou diretamente a relação de troca entre produtos e insumos, pontua Torres.
Com a redução das margens de lucro no agronegócio, muitos agricultores optaram por postergar a compra de insumos, aguardando condições mais favoráveis no mercado – a retração afetou o caixa da Agrogalaxy, assim como de outras empresas do setor.
"O setor de defensivos agrícolas, por exemplo, enfrentou o menor nível de vendas dos últimos cinco anos, resultado direto da incerteza do mercado. Isso afetou o fluxo de caixa dessas revendas, que também tiveram que lidar com ajustes de preço e estoque para atrair compradores em um cenário de maior cautela por parte dos produtores", destaca o economista.
Outro fator que contribuiu para o cenário desafiador foram os altos custos dos fertilizantes, que, mesmo com a desaceleração no ritmo de compras, continuaram elevados.
A valorização das matérias-primas e a continuidade de instabilidades globais, como o conflito entre Rússia e Ucrânia, mantiveram os preços altos, influenciando negativamente as decisões dos produtores.
"Em algumas regiões, os produtores postergaram a aquisição de insumos, o que contrastou com o padrão de antecipação das compras visto em safras anteriores", disse Torres.
Na avaliação de Victor Cunha, Gerente Geral da Amvac do Brasil, o mercado de insumos veio de um momento de "extrema euforia" em 2022, acreditando que o cenário se repetiria na safra seguinte.
Naquele ano, a invasão russa na Ucrânia ajudou a sustentar os preços dos insumos, uma vez que ambos os países são players importantes no setor agrícola – a Rússia é um dos maiores fornecedores mundiais de fertilizantes e trigo, enquanto a Ucrânia se destaca como grande produtora de milho e colza.
"Vimos estoques altíssimos, preços extremamente competitivos e margens deterioradas. Os preços das commodities, principalmente soja e milho, reduzindo significativamente, e os estoques permanecem elevados, tanto na indústria quanto no sistema de distribuição. As consequências foram gigantescas, com impactos negativos expressivos", afirma Torres.
Por outro lado, fontes ouvidas pela EXAME, mas que pediram para não serem citadas, concordam que a crise da Agrogalaxy está atrelada ao cenário de preços e margens menores, mas ponderam que a situação também indica um problema de governança.
Para a atual temporada 2024/25 a expectativa dos analistas é de uma safra recorde de soja e milho no Brasil, duas das principais commodities que o país exporta. De acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), o Brasil deve produzir 169 e 127 milhões de toneladas do soja e milho, respectivamente.
O caso do Agrogalaxy, entretanto, pode minar a confiança de investidores e credores, acredita Jonatas Pulquerio, diretor de gestão de risco do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o que deve afetar diretamente o acesso ao crédito.
"Sem uma solução adequada, as consequências podem incluir o aumento dos custos de produção, redução de investimentos e, em última análise, prejudicar o crescimento do setor em geral", avalia.
Produtores rurais, especialmente aqueles que têm relacionamento de compra regular com a Agrogalaxy, podem ser prejudicados pela falta de insumos ou pela elevação de preços que pode surgir com a falta de oferta no mercado, afirma Julia Guerra, especialista em gestão de risco.
Segundo Guerra, caso a revendedora não consiga honrar seus compromissos, o efeito cascata pode ser invevitável. "Os produtores podem enfrentar atrasos na aplicação de fertilizantes, defensivos e sementes, impactando diretamente sua produtividade e, consequentemente, sua rentabilidade. Isso gera um ciclo de dificuldades, onde produtores não conseguem arcar com suas dívidas e compras futuras, agravando a crise", afirma.
Parceira há sete anos da Agrogalaxy, a Mosaic Fertilizantes disse à EXAME que "atualmente, discute uma renegociação com o grupo Agrogalaxy". Procurada sobre os possíveis impactos da crise da revendedora em sua operação no Brasil, a companhia preferiu não comentar.
A empresa de fertilizantes fechou o segundo trimestre de 2024 com prejuízo líquido de US$ 162 milhões em relação ao em comparação com o lucro líquido de US$ 369 milhões de 2023.
No caso dos Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), o impacto já foi percebido nesta quarta-feira, com os fundos agropecuários expostos à Agrogalaxy registrando queda na Bolsa Brasileira (B3). Entre os mais afetados estão os fundos da Kijani (KJNT11), JGP (JGP11) e XP Investimentos (XPCA11) com participação de 8,29%, 8,00% e 7,95%, respectivamente.
Em fato relevante, a JGP disse que o "evento terá um impacto de 1,62% no valor patrimonial do fundo, e que referido impacto não afetará de forma material a distribuição de dividendos no período subsequente."
No primeiro semestre deste ano, o mercado de Fiagros cresceu 153% quando analisados os 12 meses encerrados em junho de 2024, atingindo um patrimônio líquido de R$ 37,3 bilhões – no segundo trimestre de 2024, de março a junho, o avanço foi de 3,7%, segundo dados da 7ª edição do Boletim CVM Agronegócio, elaborado pela Superintendência de Securitização e Agronegócio (SSE), órgão ligado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
"Como os Fiagros investem em ativos relacionados ao agronegócio, qualquer crise de grandes players do setor pode fazer com que os investidores fiquem mais cautelosos, resultando em menor interesse ou demanda por esses fundos", acredita Guerra.
Para a especialista em risco, mesmo com as incertezas com esse tipo de fundo, o agronegócio deve enxergar a situação como oportunidade, sobretudo para os fundos bem geridos. "É um momento delicado para o setor, mas com potencial para reestruturar e fortalecer os investimentos de longo prazo no agronegócio", afirma.