EXAME Agro

Apoio:

LOGO TIM 500X313

Da mesa ao campo: a jornada de um chef e ex-jurado do Masterchef como aprendiz de agricultor

Dono do Mocotó e criador do dadinho de tapioca, Rodrigo Oliveira tem sítio que abastece o restaurante, além de apoiar projeto de agricultura familiar focado no flocão de milho

O chef Rodrigo de Oliveira, do Mocotó. (Ricardo D'Angelo/Divulgação)

O chef Rodrigo de Oliveira, do Mocotó. (Ricardo D'Angelo/Divulgação)

César H. S. Rezende
César H. S. Rezende

Repórter de agro e macroeconomia

Publicado em 2 de fevereiro de 2025 às 06h08.

Última atualização em 2 de fevereiro de 2025 às 08h39.

Legado é o que o chef Rodrigo Oliveira, do Mocotó — restaurante de comida nordestina em São Paulo — e ex-jurado do MasterChef, quer deixar para a próxima geração. Criador do famoso "dadinho de tapioca", Oliveira quer ir além do setor de restaurantes. Há quatro anos, ele iniciou uma incursão na agricultura com a compra de um sítio, onde planta hortaliças e legumes, além de um apoio a um projeto de agricultura familiar focado no flocão de milho.

Em 2020, Oliveira adquiriu um sítio, uma pequena propriedade na Serra da Mantiqueira, em São José dos Campos. São 38 hectares e, na época, o que existia ali era apenas pastagem degradada, diz ele, em uma área que estava abandonada há mais de 10 anos.

"Nosso primeiro trabalho foi a restauração das construções, como a casa principal e uma segunda casa. Com o tempo, fomos nos aproximando do universo da agrofloresta, algo que já conhecíamos por meio de leituras e estudos, mas também através do contato com nossos parceiros e fornecedores do restaurante, com quem sempre tivemos uma troca próxima", afirma Oliveira.

Segundo o chef, o processo não se resumia apenas restaurar a área, mas aprender na prática, entender a terra, para poder dialogar melhor com os agricultores. "Fala-se muito sobre desafios, mas é preciso compreender as dores do agricultor, que passa um ano inteiro preparando a terra e cuidando da cultura, enfrentando incertezas ao longo de todo o processo", diz Oliveira.

Na avaliação do chef, a importância da conexão com a terra tem sido evidenciada pelo trabalho desenvolvido no sítio, que serve como um espaço de aprendizado para o Mocotó, que tem duas unidades em São Paulo, e todos os envolvidos em sua operação, além de conectar sua família com o lugar de onde vem os alimentos: a terra. O sítio, além de abastecer a casa de Oliveira, é um fornecedor para o seu restaurante de produtos como alface, tomate, cenoura, vagem, batata e couve.

Oliveira ressalta que o trabalho desenvolvido no sítio é visto por ele como uma resistência diante de uma agroindústria, que, muitas vezes, não valoriza o produtor local, uma bandeira importante para o Mocotó. Segundo ele, que se define como um 'aprendiz de agricultor', a lida com o sítio, foi o passo que precisava para que ele expandisse sua atuação na agricultura.

Foi em uma conversa com o agrônomo Lucas Sousa, proprietário da Fazenda Vista Alegre, que fica a uma hora de Belo Horizonte, que Oliveira decidiu apoiar o projeto Flocão de Milho Crioulo Vermelho, que busca apoiar agricultores locais e encurtar a cadeia de produção — o flocão de milho é um ingrediente principal do cuscuz, mas também pode ser usado para fazer bolos, pães, polentas, sopas, mingaus e farofas. 

Originárias do México, onde são cultivadas há cerca de 6 mil anos, as sementes de milho crioulo foram migrando com as populações para a América do Sul e evoluíram geneticamente a partir da seleção das próprias pessoas por isso elas carregam histórias únicas, com características que variam segundo os critérios de cada produtor.

Os primeiros grãos de Lucas chegaram por meio de vizinhos guardiões de sementes de milho crioulo, que compartilharam duas variedades: uma de milho preto de pipoca e outra de milho vermelho, ideal para fubá. Após a colheita da primeira safra, Lucas conseguiu um moinho de pedra emprestado e fez seu primeiro fubá.

O produto, utilizado em bolos, conquistou rapidamente os visitantes da fazenda. A Casa Guasti, que conecta pequenos agricultores a chefs, enviou amostras para restaurantes, sendo o Mocotó um dos primeiros a testar. Com o sucesso do fubá, Lucas se dedicou a pesquisar novos processos, como o flocão.

Flocão de milho

Oliveira conta que o projeto surgiu quase como um chamado. Segundo o chef, a Fazenda Vista Alegre possuía uma grande quantidade de milho sem demanda. Os produtos orgânicos já eram consumidos pelo restaurante Mocotó. “Comprávamos produtos como quirera, fubá e canjica, mas a ideia de criar um novo produto surgiu de uma necessidade urgente”, explica Oliveira.

O flocão de milho, porém, esbarrou em questões técnicas e burocráticas. A busca por parceiros foi a solução encontrada para viabilizar o projeto.

Oliveira então apresentou o flocão da Vista Alegre à Cooperativa Agropecuária Mista Regional de Irecê (Copirecê), na Bahia, que já fornecia para o Mocotó e que produz e comercializa derivados do milho cultivado por seus 600 cooperados. A ideia era desenvolver um lote piloto de flocão de milho vermelho com a cooperativa.

A Copirecê não só oferece orientação e assistência técnica a 600 famílias de produtores, mas também incentiva financeiramente os agricultores, pagando 30% a mais pelo milho. Dada a complexidade e o alto custo logístico para enviar o milho de Minas à Bahia, os parceiros colaboraram para aumentar a produção e reduzir os custos.

Lucas distribuirá sementes de milho vermelho para os cooperados da Bahia, que já têm áreas prontas para o cultivo, normalmente realizado entre julho e agosto. “O envio das sementes vai expandir a produção de milho vermelho de 10 para 100 hectares”, explica Lucas, destacando os benefícios do projeto para todos os envolvidos.

Para a Copirecê, o flocão de milho crioulo é uma linha premium que não compete com outros produtos e atende a um novo público. Para os produtores, o projeto representa uma remuneração mais justa pelo cultivo. Para a Fazenda Vista Alegre, é uma forma de divulgar seu trabalho e conceito. Para Oliveira, o projeto é um apoio à causa dos pequenos produtores e dos ingredientes orgânicos.

Articulador da iniciativa, o chef acredita que o projeto valoriza a agricultura familiar, além de perpetuar um trabalho milenar — o dos guardiões de sementes crioulas, que se dedicam a manter vivos e cada vez mais diversos os grãos desses milhos especiais.

“Levar isso para grande escala é uma forma de disseminar esses saberes para mais agricultores familiares. Acredito que estamos fadados ao fracasso como sociedade se não olharmos para a terra e para as pessoas que dela dependem”, afirma o chef.

Acompanhe tudo sobre:AgriculturaAgronegócioRestaurantes

Mais de EXAME Agro

Pode ser vantajoso para os Fiagros serem tributados, diz Appy sobre veto de Lula

Preços dos ovos disparam nos EUA após governo mandar abater 100 milhões de galinhas

Vaca avaliada em R$ 21 milhões é clonada em Minas Gerais

Governo vai monitorar preços dos alimentos, mas descarta intervenção