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Publicado em 2 de agosto de 2024 às 06h00.
Um padrão climático de La Niña pode se formar ainda este ano, com especialistas em clima estimando uma probabilidade de 70% de que o fenômeno ocorra entre agosto e outubro deste ano — e persista até meados de março de 2025.
Mas o que isso significa na prática? Durante um evento de La Niña, a temperatura do Oceano Pacífico na região tropical fica abaixo da média, e esse resfriamento provoca uma série de efeitos climáticos, que incluem chuvas mais intensas na Ásia e condições mais secas em algumas áreas da América do Sul.
A previsão é de que o fenômeno traga alívio para produtores agrícolas que enfrentaram sérios problemas recentemente – isso inclui a possibilidade de compensar os danos causados por secas severas na África e das enchentes históricas no Rio Grande do Sul, por exemplo.
"Há uma relação muito forte entre El Niño e safras mais fracas e entre La Niña e safras fortes. Não é incomum em anos de transição de El Niño para La Niña haver grandes recuperações (no setor agrícola)", afirmou ao jornal O Globo, Jonathan Parkman, chefe de vendas agrícolas na corretora de commodities Marex.
Uma das safras que atualmente mais foi afetada por condições climáticas é a do café. O Brasil é o principal produtor global de café, responsável por 40% da produção mundial, acompanhado pelo Vietnã, o segundo maior produtor – tanto aqui como no Vietnã, problemas climáticos reduziram as estimativas de produção do grão.
No Brasil, a La Niña pode atrasar chuvas cruciais, ameaçando a produção da variedade arábica, o que pode elevar ainda mais o preço da commodity, que recentemente atingiu o maior nível em mais de dois anos – o preço do café robusta subiu de R$ 700 para R$ 1,2 mil por saca de novembro do ano passado a julho deste ano, enquanto o café arábica, que estava em torno de R$ 900, agora custa R$ 1,4 mil.
No Vietnã, a La Niña normalmente traz mais chuvas — a umidade seria um alívio bem-vindo para as plantações da variedade robusta atingidas pela seca. Por outro lado, se a La Niña chegar tarde demais no país asiático, as precipitações podem atrapalhar os trabalhos de colheita.
A seca que atinge a região Centro-Sul do Brasil está provocando problemas significativos nas plantações de cana-de-açúcar, com um aumento notável na isoporização.
Embora o tempo seco possa ser benéfico para a moagem da cana, ele tem prejudicado a extração de açúcares e dificultado a cristalização. Isso ocorre porque o fenômeno está elevando a formação de açúcares redutores, como glicose e frutose, afirma Paulo Bruno Craveiro, analista da Datagro Consultoria.
A isoporização é um processo que desidrata os colmos da cana-de-açúcar e reduz o rendimento das plantações — a condição compromete a qualidade, o peso e a densidade dos colmos. O principal fator que contribui para a isoporização é o florescimento indesejado das plantas, diz Craveiro.
A La Niña ameaça piorar a situação, ao atrasar chuvas cruciais que normalmente ocorrem em setembro e no início de outubro. A redução das chuvas na América do Sul devido à La Niña pode atrasar o plantio e prejudicar ainda mais a produtividade para a próxima safra, segundo Trish Madsen, da Green Pool Commodity Specialists.
Atualmente, o mercado mundial de cacau enfrenta o maior déficit entre oferta e demanda já registrado. Isso se deve a uma combinação de seca intensa e chuvas irregulares que afetaram severamente os principais produtores na África Ocidental – no entanto, o fenômeno de La Niña pode oferecer algum alívio.
Se a La Niña chegar em agosto ou setembro, o aumento das chuvas ajudaria as lavouras africanas antes da colheita, afirmou ao jornal O Globo Cade Groman, meteorologista do Commodity Weather Group – os mercados já precificam a expectativa de uma colheita melhor, com as cotações do cacau no mercado futuro em Nova York negociadas cerca de 40% abaixo do recorde de abril.
No cenário de dois dos principais grãos do mundo, milho e soja, é essencial falar de Estados Unidos e Brasil, principais produtores. Nos Estados Unidos, os anos de La Niña podem trazer seca e calor no inverno em alguns estados do sul e chuvas pesadas no noroeste do país. Também pode levar a uma temporada de furacões pior no sul.
Partes do Corn Belt, o cinturão agrícola norte-americano, podem enfrentar seca – em importantes regiões produtoras de soja, especialmente mais para o norte, o clima pode ficar mais frio e úmido do que o normal. Um excesso de umidade na soja pode causar doenças e comprometer a produtividade e o desenvolvimento do grão.
No Brasil, o clima mais seco e quente deve atingir a maioria das regiões produtoras de soja no sul do Brasil, com destaque para o Rio Grande do Sul, um dos principais estados produtores da oleaginosa no país.
"O sul do Brasil é geralmente a região mais afetada, enfrentando perdas significativas. Existe um padrão nesse sentido. Em contraste, o Centro-Oeste não costuma sofrer tanto com esses impactos. No entanto, ainda é cedo para fazer previsões definitivas. A expectativa é de que a ocorrência da La Niña deva ser mais fraca do que o habitual", diz Luiz Fernando Gutierrez, consultor e especialista no mercado de soja da Safras & Mercado.