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Biomassa da cana poderia responder por 30% da geração de energia do país (Monty Rakusen/Getty Images)
EXAME Solutions
Publicado em 16 de janeiro de 2024 às 16h08.
Última atualização em 16 de janeiro de 2024 às 16h50.
Quem conhece o setor sucroenergético costuma dizer que da cana-de-açúcar nada se perde, tudo se transforma. Altamente versátil, essa cultura dá origem a uma série de produtos – o etanol e o açúcar são, obviamente, os principais – e até os seus resíduos são aproveitados.
Na safra 2023/2024, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que 95% dos resíduos produzidos na indústria canavieira serão reutilizados. O bagaço da cana, resultado do processo de moagem, é um deles.
O Brasil lidera a produção de cana do mundo e, consequentemente, também de bagaços – este é o maior resíduo da agroindústria nacional. Mas o que já foi apenas um rejeito prejudicial ao meio ambiente, hoje se transforma em energia limpa e renovável.
Segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), a biomassa dos canaviais representa 72% de toda a capacidade instalada de bioeletricidade no Brasil. É a quarta fonte mais importante na matriz elétrica brasileira, com 6,3% da capacidade instalada. E o potencial é ainda maior: se plenamente aproveitada, a biomassa de cana poderia suprir mais de 30% do consumo de energia no país.
Mas as aplicações desse biorresíduo não param por aí. Tão versátil quanto a própria cana, graças a inovações tecnológicas o bagaço vem sendo amplamente utilizado como matéria-prima em soluções ecológicas em diversos segmentos.
Como uma alternativa econômica e ambientalmente responsável ao plástico e ao isopor, algumas empresas estão desenvolvendo embalagens e outros itens descartáveis confeccionados em celulose de bagaço de cana. No Brasil, um exemplo é a Qualifest, sediada em Jundiaí (SP).
Além de uma solução sustentável, totalmente natural e de fonte renovável, esses produtos têm várias vantagens. São atóxicos, têm ótima tolerância ao calor, suportando temperaturas de até 100°C, são indicados para forno, freezer e microondas, resistentes a alimentos gordurosos, biodegradáveis e compostáveis.
Na Inglaterra, o bagaço de cana-de-açúcar deu origem ao Sugarconcrete, um material inovador que pode ser utilizado na construção civil em estruturas novas ou existentes, substituindo tijolos e concreto.
Desenvolvido ao longo de dois anos, o produto é fruto de uma parceria da Universidade de East London com a fabricante de açúcar Tate & Lyle e o estúdio de design Grimshaw.
O Sugarcrete, além de ser tão resistente quanto o concreto tradicional, tem tempo de cura reduzido até quatro vezes menor, é de quatro a cinco vezes mais leve, custa muito mais barato e tem pegada de carbono de apenas 15% a 20%.
De acordo com os pesquisadores, se o Sugarcrete substituísse completamente a indústria tradicional de tijolos, geraria uma economia de 1,08 bilhão de toneladas de CO², o que corresponde a 3% da produção global de gás carbônico.
Dos resíduos da cana também pode ser feito papel. A tecnologia existe há algumas décadas, mas vem ganhando mais espaço. Empresas no mundo todo já utilizam esse insumo na produção de celulose, dando origem a diversos tipos de papel, inclusive o branco, como o tradicional sulfite.
No Brasil, é o caso da marca EcoQuality, da GCE Papéis, que fica em São Paulo (SP). Segundo a empresa, a produção desse tipo de papel é mais sustentável se comparado ao fabricado com eucalipto, por exemplo.
Além de reutilizar um resíduo que seria descartado, requer bem menos tempo de colheita, não ocupa áreas de plantio, usa três vezes menos matéria-prima, é biodegradável e pode ser 100% reciclado.
Diferentes grupos de pesquisa pelo país e no mundo estão desenvolvendo plástico a partir do bagaço de cana, com resultados promissores.
Cientistas do Instituto de Química de São Carlos da Universidade de São Paulo (IQSC-USP), por exemplo, conseguiram produzir um plástico sustentável totalmente originário do bagaço de cana recentemente e agora estão estudando novas opções de aplicação, tudo a partir da biomassa.
A Lego, famosa marca de brinquedos de montar, já mostrou que esse tipo de material pode ser usado em grande escala. Em 2018, em parceria com a WWF, a empresa lançou uma coleção inteira de bioplástico gerado a partir da cana-de-açúcar.
Em substituição à fibra de celulose da madeira, o bagaço de cana pode ainda ser utilizado como aditivo estabilizante nas misturas de asfalto tipo pedra matrix (Stone Matrix Asphalt - SMA), com a função de impedir que a massa asfáltica escorra durante a mistura e aplicação.
Mais resistente, o asfalto SMA é bastante utilizado no revestimento de vias de tráfego intenso como rodovias e aeroportos.
Segundo relatório do Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas, o uso do bagaço nesse composto tem diversas vantagens, como um processo de beneficiamento mais simples, diminuição dos custos do asfalto, aumento da resistência da mistura e, claro, minimização dos impactos ambientais.