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Área de contêineres refrigerados para exportação de carga congelada no Terminal de Contêineres de Paranaguá (TCP) (TCP/Divulgação)
Repórter de agro e macroeconomia
Publicado em 19 de dezembro de 2024 às 16h19.
Última atualização em 19 de dezembro de 2024 às 16h21.
A alta do dólar nos últimos dias gera um impacto ambíguo no agronegócio brasileiro. Segundo especialistas ouvidos pela EXAME, se por um lado o câmbio atual pode favorecer os exportadores, de outra ponta prejudica pequenos e médios produtores que dependem da importação de insumos, como fertilizantes e defensivos agrícolas.
Na última quarta-feira, a moeda norte-americana bateu recorde histórico ao atingir R$ 6,27 e nesta quinta-feira, 19, renovou o recorde, chegando a R$ 6,30 na negociação intraday.
“Há um impacto significativo nos custos, já que grande parte dos insumos agrícolas no Brasil depende de importações. Essa elevação ocorre de forma rápida, especialmente no atual momento de plantio, quando as despesas são maiores do que a receita proveniente da colheita e venda. Além disso, muitos negócios já foram fechados em contratos futuros, limitando os benefícios imediatos da alta do dólar”, afirma Leandro Gilio, professor e pesquisador do Insper Agro Global.
Esse aumento de custos ocorre em um cenário desafiador para o produtor brasileiro. Apesar da expectativa de uma safra recorde de grãos em 2024/25, algumas projeções indicavam que a queda nos preços internacionais dos insumos poderia aliviar os custos e melhorar as margens. No entanto, essa perspectiva pode não se concretizar.
“Além do câmbio elevado, o aumento da taxa de juros dificulta o acesso ao crédito, tornando-o mais caro, especialmente para custeio e investimentos. Essa combinação de fatores deve aumentar ainda mais a pressão sobre os produtores”, afirma o pesquisador.
Na semana passada, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) elevou a taxa Selic em 1 ponto percentual, para 12,25% ao ano. Em ata divulgada nesta semana, o Copom reforçou a postura de cautela, sinalizando a possibilidade de mais duas elevações na mesma magnitude.
Nesse sentido, o efeito cascata é evidente, diz Gilio. Com juros e dólar elevados, o crédito se torna mais caro, aumentando a pressão sobre o governo para ampliar o montante destinado ao Plano Safra 2025/26.
O desafio, no entanto, é que, sendo um crédito subsidiado, o programa exige um desembolso maior de recursos públicos, o que se torna ainda mais complicado diante dos problemas fiscais enfrentados pelo Executivo.
"Com juros mais altos, manter as taxas subsidiadas do Plano Safra no patamar atual se torna mais custoso, já que o subsídio aumenta a despesa pública. Isso limita qualquer expectativa de redução de juros dentro do programa", diz o professor.
O BTG Pactual (do mesmo grupo controlador da EXAME) revisou suas projeções para o dólar no final do próximo ano, elevando-as de R$ 5,80 para R$ 6,25. O banco também alerta que uma eventual piora no cenário fiscal pode levar a moeda a superar o patamar de R$ 7.
Em setembro, o BTG já havia sinalizado a possibilidade de o dólar ultrapassar os R$ 6, projeção que se concretizou em novembro, após a frustração com o pacote de corte de gastos.
Por outro lado, a valorização do dólar tem um efeito positivo para o setor agroexportador. Para Fábio Moraes, sócio da E2, além de tornar as commodities brasileiras mais competitivas, os preços internacionais dessas commodities, medidos em dólar, tendem a cair. Isso é vantajoso para os compradores, mas exige atenção dos exportadores para manter suas margens de lucro.
"Isso ocorre porque o aumento da competitividade das exportações brasileiras no mercado internacional eleva a oferta global, reduzindo os preços dessas commodities", diz Moraes.
No entanto, nem toda a cadeia produtiva se beneficia igualmente. Setores como os de carnes e grãos sentem os impactos de forma diferente.
“No setor de proteínas, voltado para exportação, o impacto é positivo devido ao maior escoamento internacional. Já setores que dependem de insumos importados, como fertilizantes, enfrentam maiores dificuldades. O efeito final varia conforme a capacidade de escoar a produção”, explica Alex Lima, economista da consultoria DA Economics.
Desde quarta-feira, o dólar furou a marca dos R$ 6,27 após declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre cortes de gastos e pela decisão do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA), que reduziu a taxa de juros norte-americana em 0,25 ponto percentual, para o intervalo de 4,25% a 4,50% ao ano.
“O dólar está desancorado dos fundamentos, aparentemente devido à falta de articulação entre governo, Executivo e Legislativo em relação à aprovação do pacote fiscal. No curto prazo, não se espera uma melhora significativa sem um esforço do Executivo para estabilizar o mercado e restaurar a confiança”, afirma Lima, da DA Economics.
Segundo ele, a ausência de um plano efetivo de cortes fiscais, que demonstre comprometimento com as contas públicas, faz com que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva "estique a corda demais", provocando reações do mercado em "modo pânico".
“No curto prazo, não há perspectiva de melhora sem uma ação concreta para trazer estabilidade. As atuais medidas parecem tratar apenas os sintomas, ignorando os fundamentos do problema. É como tentar consertar o termômetro sem resolver a causa da febre”, explica o economista.
Nesta quinta-feira, 19, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou que a recente alta do dólar decorre de uma demanda maior do que o esperado, impulsionada por remessas de dividendos de empresas para o exterior e pelo envio de recursos de pessoas físicas ao exterior.
“A demanda [por dólares] foi muito maior do que esperávamos. Mas não existe um desejo do Banco Central de proteger nenhum nível de câmbio. O Banco Central tem muita reserva e vai atuar quando achar necessário”, disse Campos Neto.
Diante da alta do dólar, o BC foi obrigado a intervir para conter a escalada da moeda norte-americana. Nesta quinta-feira, realizou duas intervenções cambiais que totalizaram US$ 8 bilhões, elevando para US$ 20,76 bilhões o montante injetado no mercado desde 12 de dezembro.
Desse total, US$ 13,76 bilhões foram alocados em leilões à vista, enquanto o restante foi aplicado em leilões de linha, com compromisso de recompra.
O diretor de Política Monetária e futuro presidente do BC, Gabriel Galípolo, descartou a possibilidade de o país estar sofrendo um ataque cambial especulativo.
“Não é correto tratar o mercado como um bloco monolítico, que se move em uma única direção. O mercado opera com posições contrárias. Toda vez que um ativo se movimenta, há vencedores e perdedores. A ideia de ataque especulativo não reflete bem o que está acontecendo”, afirmou Galípolo.