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Bandeiras dos países da UE diante do Parlamento Europeu em Estrasburgo (AFP/AFP)
Publicado em 30 de novembro de 2024 às 06h25.
Última atualização em 30 de novembro de 2024 às 13h20.
O acordo entre União Europeia e o Mercosul, que está em reta final de negociação, permitirá ao Brasil aumentar suas exportações agrícolas para a Europa, especialmente de setores como os de carnes e óleos vegetais.
O crescimento da produção do agro brasileiro a ser gerado pelo acordo deverá ser de 2%, ou US$ 11 bilhões anuais, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em fevereiro.
A maior parte deste ganho (75%) se dará em quatro setores: carne de suínos e de aves, pescado e preparos alimentares, óleos vegetais e gado vivo.
"Apenas as carnes de suíno e aves estão entre os [produtos] que iriam se beneficiar com aumento de cotas de exportação. Nos demais, como carne bovina, açúcar e arroz processado, as cotas adicionais não se reverteriam em grande aumento de produção. Isso porque as exportações para a União Europeia não representam uma fração elevada da exportação total ou da produção doméstica", aponta o estudo do Ipea.
O documento aponta ainda que o acordo deve aumentar o PIB brasileiro em média em 0,46% ao ano, o equivalente a US$ 9,3 bilhões anuais, de 2024 a 2040. O ganho se deverá não só ao aumento de exportações, mas também de novas parcerias e acesso dos brasileiros a insumos europeus e novas tecnologias.
O Brasil aumentará suas exportações totais em cerca de 3%. O avanço será gradual, partindo de 0,9% em 2025 até atingir o valor máximo, de 3,4%, em 2034. Depois, se estabilizaria na faixa de 3% nos anos seguintes, prevê o Ipea.
No caso da carne bovina, o acordo prevê que o Mercosul poderá exportar 99 mil toneladas por ano adicionais para a Europa, além das 200 mil toneladas já vendidas atualmente. Desse total, 42,5% (42.075) corresponderão ao Brasil.
De janeiro a outubro deste ano, o Brasil exportou 92 mil toneladas de carne bovina para o bloco europeu, o que representa 2,66% do total embarcado pelo país no período, de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) e compilados pela consultoria Safras & Mercado.
As exportações fora desta cota serão submetidas a uma tarifa reduzida de 7,5%, bem abaixo das tarifas padrão aplicadas pela UE a produtos de países fora do bloco.
A implementação das cotas, contudo, será gradual, ao longo de cinco anos. As 99 mil toneladas representam 1,2% do consumo anual de carne bovina na UE — que gira em torno de 8 milhões de toneladas, mas mesmo assim há forte pressão contra o acerto na Europa.
Nas últimas semanas, agricultores franceses fizeram protestos contra o acordo. O CEO do Carrefour criticou a carne brasileira, mas se retratou após produtores brasileiros iniciarem um boicote contra a rede. Além disso, o Parlamento francês rejeitou o acordo em votação nesta semana. O tratado pode ser aprovado pela UE, mesmo sem o aval de alguns países.
"A União Europeia representa aproximadamente 15% das exportações da agropecuária brasileira para o exterior. Esse número explica, em parte, a preocupação de alguns países europeus, especialmente a França, talvez devido à percepção de um impacto maior do que os dados indicam", afirma Leandro Gilio, professor e pesquisador do Insper Agro Global. "É protecionismo e tentativa de reserva de mercado. Os produtores europeus, especialmente os franceses, recebem uma quantidade significativa de subsídios."
Os subsídios recebidos na Europa têm uma contrapartida: os agricultores locais precisam adaptar sua produção agrícola às normas ambientais vigentes. Logo, na visão desses produtores, a assinatura do acordo poderia colocar em risco todo o investimento feito até aqui, já que as commodities brasileiras, mais competitivas em termos de custo, poderiam invadir o mercado europeu.
"Eles têm enfrentado uma grande pressão de custos. O Mercosul consegue produzir de forma altamente competitiva, com custos mais baixos, devido à sua elevada produtividade. Isso é visto pelos europeus como um risco", afirma o professor.
O Mercosul é formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, países de destaque no setor de grãos e pecuária. O bloco sul-americano tem uma participação superior a 15% do total mundial em apenas seis produtos como soja e seus derivados, cana-de-açúcar, girassol, café, mandioca e carne bovina.
Na visão de José Luiz Pimenta Júnior, diretor de Comércio Internacional e Relações Governamentais na BMJ Associados, o bloco europeu não deveria enxergar a questão como concorrencial. "O que teremos é uma complementariedade produtiva. O Brasil oferece carne de qualidade, com preço acessível, o que permitirá que essa carne seja processada e complemente a produção europeia", afirma.
O acordo também permitirá à União Europeia ampliar suas vendas, especialmente de produtos manufaturados.
"A UE quer expandir suas exportações para outros mercados, mas a China, por exemplo, provavelmente elevará as tarifas sobre esses produtos, tornando ainda mais difícil a venda. Onde, então, a Europa pode colocar esses produtos? Em mercados como a América Latina, onde já tem parceiros comerciais de longa data", diz Pimenta.
O acordo entre a União Europeia e o Mercosul prevê adotar o livre-comércio entre os dois blocos, envolvendo mercadorias como produtos agrícolas, alimentos e aeronáutica. Cada item terá cotas de importação e exportação.
O termo foi firmado em 2019, após duas décadas de negociações, mas depende de uma aprovação final dos países para entrar em vigor.
A França e alguns outros países da UE estão buscando formar uma minoria de bloqueio no Conselho da UE, alinhando-se com Itália, Polônia, Países Baixos, Áustria e Irlanda para se opor ao acordo.
Uma possível solução para vencer o impasse é separar a votação da parte comercial do tratado no Parlamento Europeu, permitindo que ela seja aprovada por maioria de votos, sem que um ou dois países possam vetar a proposta.
Como apurou a EXAME com fontes a par das negociações, representantes do Mercosul e da União Europeia (UE) estão em negociações em Brasília nesta semana para finalizar o texto do acordo comercial, com foco na resolução de questões pendentes na Carta de Compromissos Adicionais.
A meta é concluir o texto antes da Cúpula do Mercosul, marcada para 6 de dezembro, como foi anunciado pelo ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro.